quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A ausência de presentes pode ser o melhor modo de presentear

Por Rachel Vidal

“Essa vida moderna não tem nada de artesanal. Tudo é feito às pressas. Antes, a vida demorava para acontecer. A confecção de um vestido cumpria passos de um ritual. A procura do modelo, a compra do tecido, os aviamentos, a escolha da costureira, a negociação. Depois, a primeira prova, a segunda, e, finalmente, o vestido pronto. Hoje não. Olha na vitrine e leva. Não há espaço para a espera que nos permite ocupar a mente. Os sabores não demoram em nós. O prazer da roupa nova é reduzido drasticamente ao momento da compra e ao primeiro uso. Antes, o prazer de procurar os detalhes. Deleite prolongado trabalhando a alma, tal qual a tesoura o tecido. A costura, os bordados, os reparos. O todo constituído de partes que ensinavam saborear o período das esperas.” (Fábio de Melo; Mulheres de aço e de flores; p. 45)

De modo simples e suave essa poética e riquíssima narrativa descreve mudanças de hábitos fomentadas pelas reconfigurações da vida em sociedade, dadas as mudanças econômicas, políticas e organizacionais da atualidade. Certamente essas alterações trouxeram uma série de ganhos, sobretudo se comparadas à sociedade aristocrática que nos precedeu, na qual apenas uma minoria podia se dar ao luxo de alguns confortos que hoje estão generalizados. Entretanto, é perceptível a mecanização que muitas pessoas têm sofrido e suas rotinas tendem a construir um sistema com bloqueio próprio: trabalho – consumo – trabalho, encurralando-se desejos. Tudo ocorre como se os indivíduos não vislumbrassem nada para dar sentido à vida cotidiana; compram-se signos, o que os produtos representam: felicidade, poder, prestígio, identificação com ídolos... Nesse contexto, para muitos somos os que temos; se não temos, não somos.

A não percepção de entrelinhas é um privilégio contemporâneo? Se Jesus tivesse optado por transformar as pedras do deserto em pães, Ele teria sido crucificado ou a humanidade teria seguido os passos d’Ele? Ela temeria o momento em que o Filho de Deus porventura a privasse de comer e por isso seria obediente, regida pelo milagre, pelo mistério e pela autoridade? Ou chegaria o momento em que as pessoas se cansariam de ter apenas o pão? É incontestável que o sustento garante êxito: o homem inclina-se diante de quem o dá, porque é coisa incontestada...
O Papai Noel trás presentes no Natal, o Coelhinho da Páscoa ovos de chocolate e você, caso não presenteie seu filho em uma data comercialmente festiva, estará faltando com amor a ele? Os presentes regem as suas relações familiares? Seu filho o valoriza pelo que você representa para ele ou unicamente pelo que você proporciona a ele? Pois Jesus apresentou-se a nós de mãos vazias, fazendo uso de uma liberdade compreendida por poucos e vivenciada por um número ainda menor de pessoas.

Como Ele nos disse: “Nem só de pão viverá o homem”! "(...) o segredo da existência humana consiste, não somente em viver, mas também em encontrar um motivo para viver.” (Fiodor Dostoievski; O grande inquisidor; p.9)”.
Pastoral do mês de abril

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