segunda-feira, 9 de março de 2009

Meninas Más


Por Sandro Amadeu Cerveira

Convenhamos, ler genealogias é uma das coisas mais enfadonhas quando se tenta fazer uma leitura sistemática da Bíblia. Que coisa chata aquele enfileirado de nomes entremeados por "gerou". Além de tudo tem um "machismo" brabo ali. São os homens que geram!!! Como assim?

Ocorre que às vezes na tentativa de não deixar pra trás nenhum capítulo nos propomos a enfrentar o enfado e ler inclusive as genealogias. Em Mateus (livro que agora estamos estudando em nossa classe de jovens da Segunda Igreja) nos deparamos com a genealogia de Jesus, que segue esse modelo de genealogia centrada nos homens. Entretanto, como com Jesus sempre surge a possibilidade de quebras de protocolos, eis que temos uma novidade. Entre tantos homens que geram seus filhos sozinhos (!!!) eis que aqui e ali aparecem nomes femininos. Tamar, Raabe, Rute, Bateseba e finalmente Maria. Quem eram essas mulheres e o que fizeram para merecer tanto destaque?

Uma delas, Tamar, engravidou do próprio sogro (Gênesis 38) a outra Raabe foi prostituta (Josué 2) Rute, era estrangeira e seu povo ocupava no imaginário judeu um lugar parecido ao dos argentinos para o brasileiro, e ainda tem Bateseba, que deveria ser uma "linda mulher" e que não titubeou em "ficar" com o Rei Davi enquanto o marido lutava fielmente pela pátria judaica sendo que nem judeu ele era. Só no fim da grande lista encontramos uma mulher "de boa fama", uma mulher tão correta que nossos irmãos católicos a chamam de Imaculada.

Confesso que, com todo o respeito que tenho por Maria, desta feita me chamaram mais à atenção as mulheres que, embora idealizadas depois, não eram exatamente exemplares. Qual a razão para encontrarmos esses e não outros nomes destacados na genealogia de Jesus, o Cristo? Fico pensando que talvez a resposta não esteja na tentativa comum de mostrar o quanto essas mulheres mudaram depois. Nós evangélicos adoramos enfatizar nossos pecados pré-conversão. Todos queremos ser o "pior dos pecadores." Vai entender.

Voltando as mulheres, de fato não sabemos muito sobre elas depois de "convertidas". O que me tocou nessa leitura foi pensar exatamente no fato de que os antepassados de Jesus, os heróis e as heroínas das Escrituras não são perfeitos. Nem antes, nem depois. São humanas, capazes do mal, como nós. São muitas vezes maus exemplos para sua sociedade, como nós. São, muitas vezes, julgados, condenados e discriminados por uma única característica, por um único defeito; assim como nós. Tomam decisões erradas, pecaminosas e por vezes maldosas. O que salta aos olhos, e isso se aplica a Maria (imagina enfrentar o risco de ser mãe solteira na época?), é que elas não aceitaram passivamente os destinos previsíveis de sua condição oprimida. Dentro e extrapolando os limites de seu tempo tiveram coragem de escolher diferente e mudar sua própria história.
Tamar garantiu seu lugar no clã de Judá dando um "drible" no sogro que insistia em negar seu direito a um novo casamento. Raabe salvou seus pais e ainda constituiu uma nova família a partir de um arriscado gesto de solidariedade com os estrangeiros. Rute escolheu ser leal a uma velha sogra abandonando sua família e povo e recomeçando do zero em terras estrangeiras. Bateseba provavelmente viveu o resto dos seus dias carregando a culpa da morte do primeiro marido e de seu primeiro filho com Davi mas administrou as conseqüências de seu erro e por fim conseguiu que seu filho, ninguém menos do que o grande rei Salomão, herdasse o trono de Davi.

Construíram entre erros e acertos sua própria história e contribuíram assim com a própria história da salvação. Já se disse que o ser humano está condenado a liberdade. Ser cristão não nos livra dessa "condenação" mas coloca as coisas numa outra perspectiva, pois afinal "onde abundou o pecado, superabundou a graça".

Meus parabéns a todas as mulheres que não aceitando a condição de vitimas ousam construir alternativas não apenas para si mas para todos nós seus filhos, pais, maridos e amigos.